infiltração : a água que cai do céu, é absorvida pelo solo
Infiltração é uma série em andamento sobre o apagamento de um estupro, revelado após um hiato de trinta e cinco anos. A procura por fragmentos de memória me levou a estabelecer como procedimento de trabalho refazer o trajeto até o local da violação repetidas vezes, no decorrer de um ano pandêmico. Tive como objetivo pesquisar algumas materialidades possíveis para essa violência encoberta. Na topografia subjetiva de meu corpo-mapa, a marca permanece.
A água que cai do céu, é absorvida pelo solo é um dos desdobramentos dessa peregrinação: um filme que pode ser acessado online através de um QR code. No filme, os relatos em áudio de cada uma de minhas visitas à casa onde fui violada ainda jovem se sobrepõem às imagens de musgo, bolor e mofo que coletei no período de um ano pandêmico. Falam de transbordamento, porosidade, absorção, convívio. São verdes como o carpete embaralhado e úmido de minha memória imprecisa. A escuta dos relatos embaralhados une o verde a um percurso espiralar: a cada vez que retorno, retorno diferente. A cada vez que retorno, me vejo espelhada no verde do carpete úmido. O loop permanece. Ao colocar o corpo em trânsito no tempo e no espaço, através da repetição insistente do percurso, desloco para o presente os resíduos do passado. O tempo transborda pelas janelas escuras da casa branca e o líquido preto escorre até meus pés. A Infiltração invade mais uma vez minha garganta enquanto permaneço cravada ali, no escuro do chão, imóvel.
A grande maioria dos musgos não crescem sozinhos, mas sim em colônias. A proximidade com outros esporos e as folhas interligadas estabelecem uma rede porosa que retém a água como uma esponja coletiva - musgos são sobreviventes por contágio. Espalhar esse verde úmido coletivamente nos fazem comunidade.
A água que cai do céu, é absorvida pelo solo
2021
Filme de 7’19” acessível por QR code impresso em papel adesivo 4cm X 4cm