
infiltração : a água que cai do céu, é absorvida pelo solo
Infiltração é um projeto em andamento sobre o apagamento de um estupro, revelado após um hiato de trinta e cinco anos. A procura por fragmentos de memória me levou a estabelecer como procedimento de trabalho refazer o trajeto até o local da violação repetidas vezes, no decorrer de um ano pandêmico. Tive como objetivo pesquisar algumas materialidades possíveis para essa violência encoberta. Na topografia subjetiva de meu corpo-mapa, a marca permanece.
A água que cai do céu, é absorvida pelo solo é um dos desdobramentos dessa peregrinação: um filme que pode ser acessado online através de um QR code. No filme, os relatos em áudio de cada uma de minhas visitas à casa onde fui violada ainda jovem se sobrepõem às imagens de musgo, bolor e mofo que coletei no período de um ano. Falam de transbordamento, porosidade, absorção, convívio. São verdes como o carpete embaralhado e úmido de minha memória imprecisa. A escuta dos relatos embaralhados une o verde a um percurso espiralar: a cada vez que retorno, retorno diferente. A cada vez que retorno, me vejo espelhada no verde do carpete úmido. O loop permanece. Ao colocar o corpo em trânsito no tempo e no espaço, através da repetição insistente do percurso, desloco para o presente os resíduos do passado. O tempo transborda pelas janelas escuras da casa branca e o líquido preto escorre até meus pés. A Infiltração invade mais uma vez minha garganta enquanto permaneço cravada ali, no escuro do chão, imóvel.
A grande maioria dos musgos não crescem sozinhos, mas sim em colônias. A proximidade com outros esporos e as folhas interligadas estabelecem uma rede porosa que retém a água como uma esponja coletiva - musgos são sobreviventes por contágio. Espalhar o verde úmido coletivamente nos faz comunidade.
Infiltração is an ongoing project about the erasure of a rape, disclosed after a thirty-five-year hiatus. The search for fragments of hidden memory led me to establish as a work procedure to retrace repeatedly the route to the house where I was raped as a young woman. My goal was to find some possible materialities for this covert violence. In the subjective topography of my body-map, the scar still remains.
A água que cai do céu, é absorvida pelo solo is one of the outcomes of this pilgrimage: a movie that can be accessed online via a QR code. In the film, audio reports of my visits to the rape scene overlap with images of moss, mold, and mildew that I collected in the span of a pandemic year. They speak of overflowing, porosity, absorption, conviviality. They are green like the shuffling, damp carpet of my inaccurate memory. The scrambled reports bind the green mosses to a spiraling path: each time I return, I return differently. Each time I return, I find myself imprisoned in the green damp carpet. The loop remains. By placing my body in transit through time and space, with the insistent repetition of the route, I displace residues of the past to the present. Time overflows through the dark windows of the white house and the black liquid runs down to my feet. The infiltration invades my throat once again as I remain trapped in the somber ground, motionless.
The vast majority of mosses do not grow alone, but in colonies. The proximity to other spores and the interconnected leaves establish a porous network that retains water like a collective sponge: mosses are survivors by contagion. To spread this green and dark moisture collectively breaks the silence and makes us a community.

a água que cai do céu, é absorvida pelo solo
2021
Filme de 7’30” acessível por QR code impresso em papel adesivo 4cm X 4cm
