Infiltração é um projeto em andamento sobre o apagamento de um estupro, revelado após um hiato de trinta e cinco anos. A procura por fragmentos de memória me levou a estabelecer como procedimento de trabalho voltar ao local da violação repetidas vezes, no decorrer de um ano pandêmico. Tive como objetivo pesquisar algumas materialidades possíveis para essa violência encoberta. Na topografia subjetiva de meu corpo-mapa, a marca permanece.
Em breve, um jardim florescerá aqui é um poliptico composto por treze monotipias: uma para cada mês do ano de minha peregrinação à casa branca, local do crime; e uma para o epílogo do percurso, um epílogo aberto, paradoxal, já que o musgo que habita meu corpo permanece vivo. As gravuras são parte dos muitos desdobramentos das impressões e percepções do espaço e de meu corpo ali, de volta. Tornaram-se possíveis somente após o fim do percurso.
Durante aquele ano, coletei, além de imagens, musgos. Cuidei deles. Observei, a cada visita à casa branca, o escuro brotar do peito úmido, o musgo a me subir pela garganta, o corpo tornar-se relevo. O musgo e seu cheiro úmido são reminiscências do carpete embolorado onde fiquei imobilizada no horror daquela noite distante.
Optei pela gravura para corporificar a náusea e a vertigem por seu conjunto de artifícios técnicos e suas características materiais. Parti do autorretrato, que gravei na porosidade da pedra litográfica e transferi para o papel umedecido; então entintei e imprimi sobre as litografias os musgos que vinha cultivando desde o início do trajeto. Cada monotipia passou diversas vezes pela prensa, que se encarregou de gravar sobre meu peito o musgo que ali mora. No encontro de superfícies característico da gravura, o rastro que o musgo deixa ao sulcar o papel se torna tão expressivo em suas propriedades táteis que reitera literalmente a marca gravada no corpo.
Infiltração is an ongoing project about the erasure of a rape, disclosed after a thirty-five-year hiatus. My search for any available fragments of memory led me to establish as a procedure to return repeatedly to the crime scene over the course of a pandemic year. My goal was to find a possible materiality for this covert violence. In the subjective topography of my body-map, the flaw remains.
Em breve, um jardim florescerá aqui is a set of thirteen monotypes: one for each month of the year of this pilgrimage; and one for the epilogue of this journey, an open, paradoxical epilogue, since the moss that inhabits my body remains. These monoprints are yet another development of the impressions and perceptions of that location and of my body there over time.
Through a pandemic year I collected, in addition to images, mosses - and nourished them. Each time I visited the house I stood helplessly as layers of moss grew inside my body. The moss and its damp smell are remnant of the musty green carpet where I was immobilized in the horror of that distant night.
The material characteristics and technical devices inherent to engraving and printmaking led me to choose them as a medium to embody the nausea that overwhelmed my body each time I returned to the house. The procedure began with a self-portrait - a photograph of my chest which I transferred to the wet porosity of the lithographic stone. Over that lithograph, I inked and printed the mosses I had been growing over time. Each monotype went through the press several times, printing the moss over my chest. In the conjunction of surfaces characteristic of printmaking, what remains is the trace left by the moss on the paper; it becomes so expressive in its tactile properties that it literally reiterates a permanent mark.